quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Histórias que "encantaram" a minha avó

Era uma vez uma menina, que tinha tanto de linda como de pobrezinha. Por isso, era obrigada a usar chancas, que muito lhe magoavam os delicados pezinhos. Certa ocasião, a sua mãe, condoída deste sofrimento, comprou-lhe umas sapatilhas vermelhas. Mas, no dia em que a menina as devia estrear, sucedeu morrer a mãe. E, assim, a menina, por falta de dinheiro, não teve outro remédio senão acompanhar-lhe o enterro calçando as sapatilhas, cuja cor tão contrária era ao luto. Entretanto, isto não entristecia a menina, pois ela gostava muito, mesmo muito, das cores espalhafatosas e, principalmente, do vermelho.
A caminho do cemitério, passou pelo enterro uma carruagem com uma velha de bom coração. E esta, ao saber que a linda menina que acompanhava a carreta ficara órfã, disse-lhe:
- Queres vir comigo, que eu tomarei conta de ti?

A menina respondeu que sim e, por isso, tomou lugar na carruagem junto da velha que, mal chegou à sua luxuosa casa, mandou queimar as sapatilhas e lhe deu professoras que cedo a tornaram uma rapariguinha prendada. Deste modo, as visitas da casa, e até os criados, não se fartavam de dizer-lhe quando a viam:
- Que linda menina tão gentil!
Ora, a menina possuía um espelho e, ao ouvir este elogio, corria para ele e então o espelho, ou antes, a sua própria voz segredava-lhe:
- Não, não és gentil, mas sim a mais linda das rapariguinhas! – com o que a menina ficava toda vaidosa.
No Verão, a rainha do país veio passar alguns dias num castelo próximo, acompanhada da princesinha sua filha. E toda a gente correu a vê-las e, entre elas, a velha e a menina.

A princesinha apareceu à varanda do castelo, vestida de branco e calçando uns bonitos sapatos de marroquim vermelho. E, então, a menina ouviu exclamar às pessoas que a rodeavam:
- Que linda é a princesinha! Não há no reino outra pequena que se lhe compare.
De volta a casa, a menina, pondo-se diante do espelho, censurou-o, amuada:
- Afinal, mentiste-me, pois não sou a mais linda das rapariguinhas. A princesa é quem goza desse privilégio.
O espelho, porém, respondeu:
- És sim, desde que possuas uns sapatinhos vermelhos.
Tempos depois, a menina precisou duns sapatos para ir à Comunhão Solene, e a velha levou-a a uma sapataria, a fim de comprá-los. Mas a velha já tinha a vista cansada e, por isso, não distinguia as cores. E, assim, a menina, encontrando numa das montras uns sapatinhos vermelhos, conseguiu que ela lhos comprasse, afirmando serem de cor branca – a qual, como se sabe, era a mais apropriada para a cerimónia em vista.
No dia da Comunhão, não houve na igreja quem não reparasse na menina, escandalizado com os seus sapatinhos vermelhos. Ela supunha, entretanto, que todos a achavam a mais linda das rapariguinhas e, vaidosa dos sapatos, só pensava nestes, esquecendo-se assim de Nosso Senhor. Por isso, à saída, esperava-a um mendigo, de muletas e compridas barbas de fogo, que lhe disse:
- Que bonitos sapatinhos para bailar!
E o mendigo a calar-se e logo a menina dança que dança e, sem poder tirar os sapatos, como se estivesse transformada num brinquedo de corda. E, a bailar, andou durante muitos dias e noites, por montes e vales, ao frio e à chuva. E todos fugiam dela, inclusive os próprios lobos; e, de longe em longe, aparecia-lhe o mendigo que, por entre gargalhadas, lhe gritava:
- Que bonitos sapatinhos para bailar!

Desta forma, aconteceu ir ter à igreja. Mas à sua porta estava um anjo, que tinha nas mãos uma espada de chamas. E o anjo disse-lhe, muito zangado:
- Dança, dança sempre! E, quando encontrares outras meninas desobedientes e vaidosas, fala-lhes do teu castigo, para que lhes sirva de exemplo.
Seguiu, pois, a menina para diante e, em breve, se cruzou com o enterro da sua protectora, morta sem que lhe desse a bênção e sem que ela lhe fechasse os olhos. Com isto, sentiu-se a menina completamente só no mundo. E, sucedendo passar então à porta de afamado cirurgião, bateu e rogou-lhe, desesperada, que lhe cortasse os pés, ao mesmo tempo que lhe narrava o seu infortúnio. O homem, cheio de pena, satisfez-lhe a vontade e arranjou-lhe depois uns pés de madeira e umas muletas. Liberta, portanto, dos seus sapatinhos vermelhos e da sua dança maldita, a menina empregou-se como criada. Decorreram meses e, certo dia, a menina disse-se:
- Agora é ocasião de ir à igreja, para que todos vejam como me emendei.
Se assim p pensou, melhor o fez. Mas, ao chegar à igreja, apareceram-lhe os sapatinhos vermelhos a dançar, ou não soubesse Nosso Senhor que o seu arrependimento, cheio de desejo de ostentação, não era verdadeiro. E ela teve de fugir, horrorizada, para casa onde entrou, enfim, verdadeiramente arrependida. Por isso, chegando a Páscoa e estando ela à janela de casa, muito triste, várias rapariguitas, de caminho para a igreja, convidaram-na:
- Vem connosco, que ouvirás uma música muito bonita!
Em resposta, a menina olhou para as muletas e desfez-se em lágrimas. E as rapariguitas foram sem ela. Mas, quando o órgão da igreja começou a tocar a bonita música que lhe fora anunciada, um anjo, o mesmo anjo que certa vez a vira à porta da igreja, apareceu-lhe, não já com a sua terrível espada, mas com um ramo de rosas brancas e, tomando-a nos braços, conduziu-a à presença do Senhor, a cujos pés chegava a música.
Quando as rapariguitas voltaram da igreja, souberam que a menina tinha morrido e que um anjo a levara para o Céu.










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